Eu abro mão de passar todo domingo com a galera no beira-rio. Deixo de usar minha camiseta furada do Guns N'Roses. Do futebol com churrasco justo na sexta-feira à noite. Abro mão de pescaria, despedida de solteiro, carro novo, acampamento onde Judas perdeu as botas e baile do chope no interior. De você cultivar suas velhas amizades eu não abro mão.
Abro mão de fartura de seios. Não faço questão de salto alto, chapinha no cabelo, unhas do pé bem feitas e maquiagem superprofissional. Eu abro mão de baixo índice de massa corporal. De barriga tanquinho, escassez de estrias, drenagem linfática, duas horas de esteira e coxas clonadas da Claudia Leitte. De você gostar de si mesma em primeiro lugar eu não abro mão.
Eu abro mão de beber café irlandês com chantilly. Deixo de comer salmão grelhado com vinho moscato. Não preciso de desova de peixe, petit gateau, risoto de congrio, canapé de palmito, vitela ao molho madeira, camarão na moranga e parilla uruguaia. Abro mão de restaurante franceses, coquetéis de lançamento e feiras gastronômicas. De ver sua alegria de cozinhas enquanto dou palpites eu não abro mão.
Abro mão do velho sonho de viajar de mochila pelo litoral brasileiro. Descarto aquela pós-graduação na Alemanha. De trabalhar quatorze horas por dia. Eu abro mão de férias no inverno, show do Oasis em Manchester, largar portfólio em São Paulo, da tranquilidade de morar em Gramado ou de um carro só para mim. Da paz que a tua presença me traz eu não abro mão.
Eu abro mão de dormires todo dia de pijama de seda vermelho sangue. Esqueço os filmes pornográficos, transa na escada de incêndio, cinta-liga rendada, abajur aceso e a ideia de entrar para livro dos recordes em qualquer modalidade sexual. Abro mão de strip-tease com trilha francesa. De fantasia de prostituta, enfermeira, diabinha, gueixa ou polícia florestal. De você se sentir minha mulher toda vez que nos amamos eu não abro mão.
Abro mão de um primeiro beijo. Não me importo em nunca mais ter um primeiro encontro. Nego declarações exageradas de amor, poemas personalizados, chuva de pétalas e cartas escritas a punho. Eu abro mão de olhar 43, caça em baladas, ser acordado por desconhecidas, conquistas impossíveis ou desejar uma por semana. De olhar para você e não sentir uma falta desesperada de tudo isso eu não abro mão.
GABITO NUNES
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